Texto

 

Reportagem – Centro Universitário Maria Antonia

Veículo: Calendário de Cultura e Extensão
Data de publicação: junho/2004
Pauta e redação: Luciana Silveira / Mariana Shinohara
 

 

Centro Universitário Maria Antonia: Edifícios que contam a história da USP

Rua Maria Antonia, 294. O endereço não é familiar para muitos uspianos, mas o conjunto de edifícios abrigou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (criada em 1934, com a fundação da Universidade de São Paulo) depois de uma década de peregrinações pela cidade de São Paulo. A Faculdade (que mais tarde viria a se chamar Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a FFLCH) ocupou o prédio da rua Maria Antônia de 1949 a 1968.
Durante esses quase vinte anos, o Maria Antonia – pertinho do Mackenzie e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (que na época ficava na Rua Maranhão, no palacete onde atualmente funciona a pós-graduação da FAU) – foi um centro de atividades estudantis na cidade de São Paulo.
A efervescência estudantil e a proximidade com o Mackenzie era tanta, aliás, que, em 1968, a rua Maria Antonia foi palco de dois dias de conflito com paus, pedras e coquetéis molotov entre estudantes da USP e da Universidade Presbiteriana. A conseqüência da batalha da Maria Antonia foi a violenta repressão policial (aos moldes da época), a morte de um estudante uspiano e a mudança da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – que foi forçada a abandonar o belo (ainda que "ferido" no confronto) prédio da Vila Buarque e mudar-se para barracões improvisados na então distante Cidade Universitária. A rua Maria Antonia continuou com o Mackenzie, mas no antigo prédio da Faculdade de Filosofia passou a funcionar a sede da Junta Comercial do Estado de São Paulo.
Em 1991, o conjunto (tombado em 1985 pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo) foi devolvido à Universidade. Após ser restaurado, o edifício Rui Barbosa foi reaberto em 1993 para abrigar o Centro Universitário Maria Antonia.
O Centro Universitário Maria Antonia fortalece a posição da USP na vida cultural da cidade de São Paulo com uma programação que inclui exposições, cursos, oficinas de arte, seminários, debates e concertos. O TUSP (Teatro da USP) também está sediado no Mariantonia. Em seu teatro são apresentadas peças do Grupo TUSP e de diversas outras companhias.
Além do TUSP, o Mariantonia abriga ainda cursos do Cinusp, os ensaios de um grupo do CORALUSP, uma livraria da Edusp, a Escola de Governo (entidade educacional que visa formar dirigentes públicos e atuar como centro de elaboração de projetos de organização institucional e de políticas públicas), a Comissão de Direitos Humanos da USP e a SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Há ainda uma preocupação com a promoção da arte e da cultura nas áreas educacional e social – são oferecidas visitas monitoradas para grupos escolares em suas exposições e supervisão pedagógica, além de cursos de extensão universitária para professores e profissionais que trabalham com arte.
A restauração e a atuação do Centro Universitário Maria Antonia foram viabilizados pela Universidade – através de sua Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – e por parcerias com o Ministério da Cultura, a Secretaria de Estado da Educação e diversas empresas privadas, além da Associação de Amigos do Centro Universitário Maria Antonia. Os associados recebem diversos benefícios, como descontos e prioridades em diversas atividades.
Em 2003, foram iniciadas as obras de restauração também no Joaquim Nabuco, outro dos edifícios que compõem o conjunto. A previsão é de que as obras se encerrem no segundo semestre de 2004, quando o edifício passará a abrigar salas para exposições, café-foyer, auditório e a coleção do IAC - Instituto de Arte Contemporânea.
Estão previstas também algumas melhorias no edifício Rui Barbosa (como um nova torre de elevadores) e uma praça com um café e auditório. O objetivo é recuperar o efervescente ambiente cultural da Maria Antonia de algumas décadas atrás.

Centro Universitário Maria Antonia da USP
Rua Maria Antonia, 294 – Vila Buarque
São Paulo – SP
Telefone: (11) 3255.7182
www.usp.br/mariantonia
 

Ceuma marca retorno da Universidade ao centro da cidade

Diretor do Centro Universitário Maria Antonia desde 1999, o italiano Lorenzo Mammi é formado em Matérias Literárias pela Universidade dos Estudos de Florença e doutor em Filosofia pela USP. Professor de História da Música e crítico de música e de arte, Mammi organizou as edições brasileiras da Vida de Rossini, de Stendhal e de Clássico Anticlássico, de Giulio Carlo Argan. Suas obras publicadas incluem Volpi e Carlos Gomes.

Calendário – Quando o Maria Antonia foi reaberto como Centro Cultural?
Lorenzo Mammi – O Centro foi reaberto em 1993, mas só passou a ter um Conselho definido em 1999, quando foi criada uma estrutura mais definida. A idéia era criar um centro e trabalhar com o público questões como os direitos humanos, a cidadania. Desde então, estamos nos pautando por este caminho.

Calendário – O que motivou a escolha do local e do uso do Centro?
Lorenzo Mammi – A Maria Antonia foi a sede da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, de 1949 a 1968. Representou um momento forte para a formação da cultura brasileira, para a formação de intelectuais e cientistas políticos. Em 68, o Centro foi fechado depois de ter sido palco de uma das mais importantes batalhas pela democracia. Foi um momento dramático, que resultou na destruição do prédio. Os prédios passaram a ser utilizados pelo governo. Quando terminou a ditadura, uma das reivindicações era que voltassem à Universidade. Eram quatro prédios: um foi destruído na batalha, dois voltaram para à USP – O motivo da escolha do lugar é o Maria Antonia ser simbólico para a USP. O lugar não tinha mais infra-estrutura para ser destinado ao ensino, mas a vontade era voltar para o centro da cidade, ser uma referência, mostrar o que a Universidade está fazendo. é uma região bem estudantil: tem o Mackenzie, a FAAP, uma parte da PUC, a FAU Maranhão; há cerca de 150 mil estudantes. A região foi bastante danificada por causa de construções, como a do Minhocão, e a idéia é recuperá-la e a reforma do Ceuma caminha neste sentido.

Calendário – O que é oferecido pelo Maria Antonia?
Lorenzo Mammi – Nós temos uma temporada de exposições e uma temporada de concertos; realizamos um festival de música contemporânea; temos várias atividades educativas, como o Lá Vai Maria, na qual artistas doam suas obras de arte, nós as levamos até escolas da periferia e os professores trabalham com este material; temos uma atividade que realiza encontro com pesquisadores de ponta para atualização de conhecimentos, dirigida principalmente aos professores; temos cursos mais específicos, palestras, congressos, enfim, são atividades variadas.

Calendário – Qual a importância do Ceuma para a USP e para a cidade?
Lorenzo Mammi – é importante para a USP, mas principalmente para a cidade, para a região ao entorno. é uma região fronteiriça: está entre Higienópolis, um bairro de classe média com formação universitária, e Santa Cecília, uma região menos favorecida. é possível fazermos um trabalho que una diferentes tipos de cultura.
O Ceuma pertence a toda população, por isso, acho importante que ele atenda a todos. Muitas vezes o público menos favorecido tem receio de entrar lá, mas aos poucos vamos conseguindo quebrar barreiras. Criamos junto com outras instituições um circuito cultural com exposições, como um desfile de tambores que realizamos no Minhocão. Esta é uma maneira de agregar as instituições. O Mackenzie, o Senac, o Sesc participam; a Ação Educativa, uma ONG, e os grupos que trabalham com prevenção à AIDS também. Antes de 68, o Maria Antonia era um lugar aonde todos iam. Ele tinha essa função agregadora.

Calendário – O que a história dos edifícios da Faculdade de Filosofia traz para o Mariantonia atual?
Lorenzo Mammi – Tem um elemento forte, que é a afeição ao lugar. Há pessoas que viveram ali os melhores momentos de suas vidas. No ano passado, foi realizado um núcleo de exposição centrado nos movimentos sociais e políticos ocorridos no Brasil na década de 60, o MemoriAntonia. Participaram argentinos, que trabalham com memórias de desaparecidos, e alemães, que trabalham com memórias de guerra; chamamos alguns ex-alunos também. Foi bem interessante.

Calendário – Que reformas estão sendo feitas? Qual é a previsão para a conclusão?
Lorenzo Mammi – A reforma é grande: temos dois prédios, um está funcionando, o outro em reforma. Uma das primeiras coisas que procurei fazer quando assumi a direção do Maria Antonia foi procurar parcerias. Fizemos acordo com o IAC (Instituto de Arte Contemporânea), eles ficam com um andar do prédio, o resto é nosso. Começamos as obras no final do ano passado. A estrutura era fraca e não agüentaria as esculturas, então, foi colocado um piso resistente. Esse projeto foi premiado na V Bienal Internacional de Arquitetura e Design de São Paulo e agora vai para a Bienal de Veneza, representando o Brasil. é um projeto lindo. Ao entrar pela rua Maria Antonia, tem uma sala de concerto com parede de vidro; um teatro que tem abertura para a praça, o que possibilita atividades ao ar livre; dois andares de exposição e, do outro lado, um espaço para curso, oficina, atividades mais teóricas. A previsão é terminamos no final deste ano ou começo do ano que vem. Eu acredito que a estrutura básica esteja pronta até o final do ano, depois tem o acabamento que demora mais.